Clarividência

Adriana Costa
2 min readFeb 13, 2023

“Os videntes dispõem dos olhos do espírito, de um olho interior: mesmo que seus olhos reais não preencham mais sua função. O vidente morre para uma dimensão ordinária da existência a fim de renascer para um além, negado aos outros mortais”

Este é o texto que encerra o capítulo de David Le Breton : Do ver ao saber. O estudioso explica que a fala esclarece o que o olho não consegue entender. A visão pode cegar em sua explícita moral que filtra o que pode ser compreendido, criando métodos (caminhos) para os pensamentos.

Desta maneira gera expectativas sobre o que deve ser visto e preenche a realidade com esquemas representativos que podem encobrir o que acontece ; uma domesticação simbólica da visão.

“Ver não é um ato passivo, nascido da projeção do mundo na retina, mas um registro do olhar. Uma aprendizagem impõe-se ao mais elementar”

Precisamos parar e ponderar sobre a ingenuidade que temos com nosso “videre”, esta olhadela que pensa já saber o que está acontecendo e não se detém um pouco mais. Existem chaves do visível que precisamos atentar :

. Qual é a perspectiva deste nosso olhar ?

. Quais são os códigos de leitura impregnados no nosso modo de ver ?

O poeta Borges em sua sabedoria poética já aconselhava :

“Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.”

No demasiado ver podemos estar cegos ao essencial, o olho é seletivo, móvel e ativo mas a acuidade do olhar tem limites e precisa de um regime de humildade constante.

“O olho vê as coisas ao pé da letra, sem distanciamento. As metáforas evocam muitas vezes sua cegueira. Ele compra gato por lebre, percebe o cisco no olho do outro sem dar-se conta da trave que encobre o seu. A visão transforma o mundo em imagens e, por conseguinte, facilmente em miragens.”

Breton nos convida a cautela, o olhar cobiça e talvez ao devorar com os olhos somos também devorados por um poder ilusório da conquista.

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Adriana Costa

Apaixonada por plantas, música, literatura, educação e processos criativos. https://www.residenciacriativa.com/